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Entre a notícia e a coragem: Jacqueline Heluy fala sobre vida, jornalismo e superação

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    Pra Começo de Conversa
  • há 12 minutos
  • 5 min de leitura


Por Karina Lindoso


Filha da ex-deputada estadual e procuradora de Justiça Helena Barros Heluy e do juiz José Ribamar Heluy, Jacqueline cresceu entre livros, debates e o senso profundo de justiça. Mas escolheu trilhar um caminho próprio: o do jornalismo. Com mais de três décadas de atuação na comunicação maranhense, ela é uma das vozes mais respeitadas da área — e recentemente, também se tornou símbolo de coragem ao enfrentar, com dignidade e força, o diagnóstico de um câncer raro.

 

Nesta entrevista, Jacqueline Heluy fala sobre sua paixão pelo jornalismo, a experiência na comunicação pública e privada, o impacto do mieloma múltiplo em sua vida e o que significa viver — e não apenas sobreviver — mesmo diante da doença.

 

 

Vamos falar sobre a Jacqueline jornalista. Como nasceu esse desejo de ser jornalista?

 

Jacqueline: Não sei se eu escolhi ser jornalista, porque o jornalismo escolhe a gente. Acho que fui predestinada. Desde criança, eu amava ler e escrever. Me isolava, criava mundos nos meus contos e devorava livros. Meus pais eram do Direito — meu pai magistrado, minha mãe promotora — e, ainda assim, escolhi o jornalismo, mesmo contrariando meu pai. Ele dizia que eu teria dificuldades financeiras. E eu respondia que seria feliz comprando um carro usado se fosse fazendo o que eu amo.

 

E como foram os primeiros passos no jornalismo?

Jacqueline: Passei no vestibular da UFMA e logo fui estagiar no Jornal O Imparcial. Comecei cedo, ainda no terceiro período, sem nem ter escolhido a habilitação. Bati à porta com meu bloquinho e vontade de aprender. Fui para a editoria cultural, depois para Política — que era minha paixão, já que minha mãe tinha uma história nesse meio. Fui crescendo, aprendi com ótimos profissionais e me entreguei completamente. Me formei já sendo editora de Cidade, grávida, e continuei trabalhando até a véspera do parto. Foram nove anos de entrega total ao O Imparcial, depois fui para o jornal Estado do Maranhão e também atuei como correspondente da Folha de São Paulo e do Correio Braziliense.

 

Como foi esse processo de saída do jornal O Imparcial para novas experiências?

Jacqueline: Foi natural. Conversei com meus chefes, fui grata a tudo que vivi. Atravessei o canteiro — como brinco — e fui para o Estado do Maranhão. Já estava madura, responsável por toda a redação. Tinha vivido um ciclo inteiro, com muito amor e dedicação.

 

Como outras áreas do jornalismo entraram na sua vida?

Jacqueline: Eu sempre caminhei entre o jornalismo privado e a comunicação pública. Desde 1991, entrei na Assembleia Legislativa, sem nunca deixar a redação. Dava pauta de manhã e ia cumprir compromissos na comunicação institucional. Ainda hoje, faço assessoria privada, como para a Associação dos Magistrados.

 

Como é trabalhar com comunicação pública?

Jacqueline: É mais desafiador. A linguagem tem que ser clara, humanizada, acessível. Comunicação pública é serviço, é fazer a pessoa entender o que é direito dela. E isso precisa ser feito com transparência.

 

E a transparência no jornalismo?

Jacqueline: Sinto falta do cuidado de antes. Antigamente, você apurava, ouvia a fonte, tinha zelo pela verdade. Hoje, a fluidez da informação deixou tudo muito superficial. O risco é grande. A essência do jornalismo é a credibilidade, não a velocidade.

 

Você ainda escreve?

Jacqueline: Gosto muito de escrever crônicas. Tenho um blog, que iniciei em 2017 e estava desativado desde 2021, mas pretendo reativar. Específico para crônicas do cotidiano e reportagens, que é o que eu gosto. Quando assumi a diretoria de comunicação da Alema fiquei sem tempo, e hoje continuo buscando encontrar este espaço.  Mas escrever sempre foi meu respiro.

 

Jacqueline, vamos falar do câncer. Como foi esse momento na sua vida?

Jacqueline: Foi um susto, uma interrupção inesperada. Sempre cuidei da minha saúde, fazia exames regularmente. Um dia, percebi que minha hemoglobina estava baixa. Investiguei, fui ao hematologista e recebi o diagnóstico: mieloma múltiplo. Uma palavra que eu nunca tinha escutado. E logo ouvi da médica: “é câncer”. Não foi fácil. Saí do consultório em choque. No elevador, chorei muito. O momento mais difícil foi contar à minha mãe.

 

Como foi o início do tratamento?

Jacqueline: Fiz a quimioterapia aqui em São Luís. Foram meses de tratamento, com muito cuidado. Depois fui para São Paulo, no AC Camargo, para o transplante de medula. Era um autotransplante, ou seja, da minha própria medula. A preparação para o transplante é brutal: recebe-se uma quimioterapia de altíssima dosagem que zera toda a medula — mata as células doentes, mas também as boas. Fica-se totalmente sem defesa, sem sistema imunológico. Cada detalhe é monitorado. Até a unha do pé precisa estar perfeita.

 

Como foi enfrentar esse momento tão delicado?

Jacqueline: Fiquei internada por 30 dias. E quem esteve comigo todos os dias foi minha mãe, já com 78 anos. Ela enfrentou junto comigo. Os médicos não queriam permitir, com medo da fragilidade dela, mas ela disse: “mais forte do que eu, você não vai encontrar.” Ela foi minha rocha. Quando meu cabelo caiu no décimo dia, ela ficou em choque. E eu disse: “Mãe, olha como eu estou linda careca.” A gente aprende a ressignificar.

 

O que passou pela sua cabeça nessa fase?

Jacqueline: Depois do primeiro impacto, eu fiz uma oração. Me perguntei: “O que Deus quer me mostrar com isso?” A médica disse que o mieloma pode ser genético, contato com produtos químicos ou surgir de um impacto emocional muito forte. E eu sei que o meu veio disso. A dor emocional também adoece.

 


E hoje, como você está?

Jacqueline: Mieloma múltiplo não tem cura. Continuo em tratamento. Faço imunoterapia a cada 15 dias. Passo quatro horas na clínica, mas saio de lá e vou trabalhar, vou para a academia, sigo minha vida. Essa é a minha rotina. Não me vitimizo. Sou uma paciente oncológica, mas sou muito mais do que isso. Eu vivo. Eu luto todos os dias.

 

 

E o que você diria para quem está enfrentando esse diagnóstico?

Jacqueline: Descobrir cedo faz toda a diferença. Preste atenção aos sinais. Faça seus exames. Se trate. O câncer não escolhe idade, classe, religião. Mas hoje ele tem tratamento, tem caminhos. E é possível viver com qualidade, com dignidade. Não se entregue.

 

E sobre o sistema de saúde, o que você gostaria de dizer?

Jacqueline: Eu sou privilegiada. Mas penso em quem não tem plano de saúde. O tratamento que faço, o medicamento que uso, o SUS não oferece. Uma caixa do remédio oral que preciso tomar todos os dias custa quase R$ 30 mil. Tive que judicializar para que o plano cobrisse. E quem não tem isso? Vai tratar com o que der, com o que é possível — e, muitas vezes, isso não é o suficiente para viver. É cruel. O Estado precisa garantir esse direito. Câncer não pode ser sentença de morte por falta de acesso às medicações. O SUS já faz muita coisa, mas ainda tem muita coisa que precisa ser feita.  E os empresários, quem tem condição tem que ajudar. É uma causa humanitária.   Temos que unir esforços. Temos que trabalhar na conscientização das crianças para crescerem com essa empatia.  É isso que falta. A pessoa se colocar no lugar do outro. As pessoas passam tanto tempo se preocupando com coisas que julgam importantes, aí vem uma situação e derruba tudo.

 

Jaqueline por Jaqueline

Jacqueline: Jaqueline por Jaqueline é sensibilidade.  É perdão. Eu não desejo mal nem a quem me deseja. Eu sou o tipo de pessoa que, se aquela pessoa que me fez muito mal estiver bem ali, eu estendo a mão. Não perco meu tempo cultivando rancor. Eu não consigo. Eu sigo.

 
 
 

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